segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Diferenças entre Wicca e Bruxaria Tradicional (Pt. 2)

8. Quatro Elementos

Será que os elementos são organizados em quatro em todas as vertentes da Bruxaria?



Na Bruxaria Moderna (Wicca) sim! O sistema de compreensão dos elementos enquanto terra (sólido), ar (intelecto), fogo (desejo) e água (intuição), essas associações esotéricas também foram adotadas pela prática modernista de Gardner, Scott Cunninghan aborda amplamente diversas associações entre esses quatro elementos com a natureza humana, feiticeira modernista, animal, artística e etc. As considerações esotéricas estão muito presentes no Wicca, uma vez que a Feitiçaria Moderna nasceu no meio esotérico por volta dos anos 50 e diversos outros aspectos foram incorporados (relevância dos horóscopos, influências planetárias - de horas a dias -, espiritualismo, simbologia matemática, etc.). Os quatro elementos e suas associações esotéricas são evocados em todos os rituais modernos e seus espíritos são generalizados em: gnomos, sílfides, salamandras e ondinas (independente do panteão dos deuses a serem convocados ao ritual em questão). Acreditam que a harmonia com os quatro elementos eleva ao equilíbrio.



Na Bruxaria Tradicional (BT) não! Na verdade os elementos podem ser compreendidos em quatro em algumas tradições regionais (a exemplo das helênicas) de BT, contudo, não é uma regra para todas as tradições de BT e as tradições que possuem esse modelo de compreensão dos elementos não os associam a aspectos específicos, e muito menos, a natureza humana. As considerações de BT estão muito afastadas das associações esotéricas (a astronomia é considerada em algumas tradições; o horóscopo não tem relevância enquanto costume de BT; Saturno, Vênus, Júpiter e etc. são nomes de Deuses - Deos - romanos e não planetas - o nome desses Deuses foi dado aos planetas posteriormente, nas tradições romanas existem dias dos Deos; a simbologia tradicional é extremamente etnológica e consequentemente os símbolos não são matemáticos, etc.). Mesmo nas tradições regionais de BT que incluem os quatro elementos a evocação de seres etéreos não é um costume genérico, em algumas tradições são guardiões das direções e não seres etéreos propriamente ditos (respeita-se relevantemente o panteão com o qual se está relacionando - uma vez que cada tradição regional de BT relaciona-se APENAS com um panteão regional -, por isso não generalizam-se os seres, exemplos: gnomos são celtas, elfos são nórdicos, nymphas são gregas e faunos são romanos). Algumas tradições (a exemplo das celtas e nórdicas) relacionam-se com o equilíbrio que pode ser alcançado entre a luz e as trevas, o dia e a noite, estações, emoções e etc. Para os tradicionalistas céltico-irlandeses, por exemplo, são considerados mais de seis elementos. A BT respeita e considera a singularidade de cada tradição regional e também a singularidade de cada divindade sendo avessa a neossíncretismos.

9. Instrumentos de Poder


A chamada Bruxaria Moderna (Wicca) adotou instrumentos ritualísticos de diversas tradições diferentes e os ressignificou dando aos mesmos (novas) características, entre elas, especialmente características SEXUAIS. Segundo Doreen Valiente (iniciada de Gardner) o Wicca objetivou um viés de sexualização em prol de introduzir uma naturalização da sexualidade na sociedade (embora a homossexualidade fosse tratada pelos mesmos como algo anormal). A vassoura (italiana), o bastão (céltico) e o caldeirão (céltico) tornaram-se a união do falo masculino com a vagina feminina, o falo masculino e o útero feminino.




Nas diversas Tradições Regionais de BT (Bruxaria Tradicional) cada instrumento vai pertencer a sua tradição de origem, ou seja, por mais que bruxos italianos e nórdicos utilizem vassouras, a vassoura italiana é consagrada e confeccionada de uma forma totalmente diferente da vassoura nórdica e podem se diferenciar inclusive em suas funções. O mesmo ocorre com o bastão céltico (bata) e o bastão nórdico (gandr), mas uma coisa é certa: NÃO há significados sexuais! São instrumentos de poder de uso ritualístico e arcaico, a sexualidade tradicionalista está muito mais arraigada no corpo, na libido humana e animal, no instinto, no desejo e na arte. Sim, o sexo é tido como algo sagrado em algumas Tradições Regionais, mas isso nunca influenciou tradicionalmente nos instrumentos sagrados.

10. Vertentes e Tradições


É sabido que a Bruxaria Tradicional (BT) é um título que inclui muitas Tradições (conjunto de costumes pertencente a um determinado povo de determinada região) e Clãs (grupos de bruxos que seguem determinada Tradição ou Tradições de forma não sincrética). As vertentes da BT são justamente as suas Tradições Regionais que, sim, são europeias (Tradições Egípcias são classificadas como Magia Antiga e Feitiçaria Tradicional). Falar de Tradições Regionais é complexo, cada Tradição é muito singular, algumas são nacionais (praticada em um país amplamente) outras são literalmente regionais, e mesmo que existam Tradições que se consideram nacionais podem existir outras (obviamente pertencendo a mesma nação). Algumas das Tradições de BT mais conhecidas são: a Stregoneria (Italiana - variações: laziana, romana, etrusca e grega); a Mαγεία (Hellênica - variações: ateniense, délfica, cretence e outras); entre outras como as Tradições Irlandesas, Britânicas, da Cornuália (célticas); Germânicas como as Tradições islandesa, norueguesa, dinamarquesa, alemã e outras.




Na Bruxaria Moderna o tema é menos complexo, mas ainda o é. Enquanto as Tradições Regionais de BT são ancestrais e étnicas, as Tradições Modernas foram recentemente criadas e não obrigatoriamente com um embasamento regional, mas sim carregando os nomes de seus criadores, deuses mais cultuados ou práticas esotéricas, alguns exemplos são as Tradições: Gardneriana (idealizada por Gerald Gardner); Alexandrina (idealizada por Alexandre Sanders); entre outras como a Georgina, a Dianica, a Eclética, etc. É importante salientar que a Wicca é compreendida como uma vertente da Bruxaria Moderna e não a própria, muitos bruxos modernos não se consideram wiccans embora acreditem na Deusa (Una), no Deus Cornífero (Uno) e usem o Pentagrama como símbolo central de sua fé. A ideia de grupos modernos são os nomeados covens (que para bruxos tradicionais é uma "filial" do clã), assembleias (que para alguns bruxos tradicionais é um ritual específico), novas tradições, círculos e grovens.

11. Círculos e Espaços Sagrados


O famoso hábito de lançar círculos de energia com um instrumento que o Wicca nomeou como ‘Athame’ provém do Ocultismo do século XIX, até a própria organização do espaço interior do círculo wiccano se organiza de acordo com os princípios herméticos (quatro vias, cruzamento no centro) ocultistas. Alguns autores afirmam que o Wicca originou-se da Bruxaria Tradicional e modernizou sua prática, a verdade dessa afirmação é que provavelmente o Wicca tentou fazê-lo e conseguiu aproximar-se superficialmente de alguns aspectos de uma ou outra Tradição de Bruxaria Medieval (o que explica as deidades masculina e feminina como núcleo do culto), o trabalho com seres etéreos (que o Wicca chama de ‘Elementais’ por influência do Esoterismo Renascentista) é um aspecto que algumas Tradições de BT tem em "comum" com o Wicca, mas em BT isso é feito de maneiras completamente diferentes!




Em BT Antiga os Espaços Sagrados vão variar de Tradição para Tradição Regional, como o próprio título diz, depende dos costumes de determinada região. Acredito que ficou claro que nenhuma Tradição Regional lançava círculos como é feito na Bruxaria Moderna, na Tradição Irlandesa o Espaço é formado por um círculo de pedras que pode ser chamado de Santuário em português ou de Cromlech em inglês tradicionalmente, na Tradição Germano-Islandesa o círculo pode ser uma opção, mas não composto de pedras e sim de estacas de madeiras sagradas e cordas (muitos detalhes tradicionais são levados em consideração para validar esses espaços, não é apenas colocar as pedras ou as estacas no chão e pronto!). No caso de outras Tradições como a Ateniense o Espaço Sagrado não tem forma de círculo ou forma específica e sim um modo tradicional de estabelece-lo. As Tradições Italianas também não trabalham com espaços circulares tradicionalmente. Em BT as Tradições trabalham com os espíritos da terra para selarem o Espaço Sagrado, mas os detalhes de como isso é feito só é sabido por quem pratica.


12. Ancestralidade


Honrar os ancestrais é um costume cotidiano nas Tradições Regionais de Bruxaria Tradicional, o trabalho com esses espíritos também é explorado a modo tradicional, ou seja, singular a cada Clã e tipo de costume tradicional. Claro que existem ocasiões que propõem mais fortemente a honra, o contato e o trabalho com ancestrais, na Tradição Irlandesa, por exemplo, no último Festival do Fogo, o Samhain, os ancestrais são especialmente honrados; ocorre algo semelhante no Fallablót da Tradição Islandesa, no Agathos Daimon da Tradição Ateniense, e na Parentália da Tradição Romana. Tradicionalmente e naturalmente os ancestrais acabam sendo honrados ao menos uma vez por mês por bruxos tradicionais. Na maioria das Tradições Regionais nenhuma atividade ritualística, cerimonial ou festiva é iniciada antes de estabelecer o espaço sagrado e honrar os ancestrais que estão inclusos no que consideramos como Espíritos da Terra. Diferente da prática moderna que só honra seus ancestrais em alguns de seus Sabates específicos e o fazem de maneira distante, evitando o contato e o diálogo.

13. Mundos e Reinos


Embora seja sabido que nas antigas crenças pré-cristãs e politeístas da Europa se acredita em diversos Reinos e que inclusive alguns são muito singulares, a Bruxaria Moderna resolveu fundamentar novos reinos aos quais chama de ‘planos’ talvez por influência do Espiritismo e/ou Esoterismo. Os planos modernos são o plano superior, chamado de Terra do Verão (Summer Land), o plano físico, chamado por alguns de Mãe Terra e por outros de Universo, e o plano inferior, chamado de Submundo ou “Útero da Deusa”. Na Bruxaria Tradicional isso não é válido uma vez que somente na Tradição Ateniense são considerados no mínimo cinco (5) reinos, quatro espirituais e um mortal: o Olimpo (morada dos Theoi [Deuses]), os Campos Elíseos (destinado aos espíritos honrosos), a Geia (morada dos mortais), o Tártaros (sub-reino destinado aos espíritos desonrosos) e o Hades (sub-reino destinado a todos os espíritos dos mortos). Para os celtas da Irlanda o Reino dos Mortos nunca foi subterrâneo e se encontrava no Tír nÓg (Outro Mundo). Para os italianos o Infernus era subterrâneo, contudo, não era um lugar completamente ruim e triste incluindo diferentes Reinos em si (nessa tradição em específico o Infernus é considerado o Útero de Terrae Mater, a Mãe Terra - fato singular, não há nada de semelhante nas tradições feiticeiras: Irlandesa, Islandesa, Egípcias e Helênicas). Então, obviamente, varia de Tradição para Tradição Regional, contudo o entendimento tradicional é muito amplo nesse aspecto e não se resume apenas a três “planos”.





14. Marca do Ofício


Os modernistas desconhecem tal marca, contudo, ela é a ancestralidade do ofício do bruxo tradicionalista, é ela que carrega o antigo poder e os mistérios das tribos de origem do espírito e/ou do sangue do genuíno filho dos velhos caminhos. Encontrá-la não é algo exatamente visível, mas é ela que vai orientar a questão do destino oficial do praticante. Não a possuir não é ruim, contudo, representa um destino de necessidade de aprendizado e profundo para recebê-la na perspectiva daquele ofício em específico.


- Roberto de Souza
Magister

Nenhum comentário:

Postar um comentário