segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Descensum: A Viagem ao Inferno

Então você viu a terceira temporada de AHS (Coven) e resolveu acreditar nisso?! Não. Esse é um processo ritualístico existente e antigo, porém destinto do que é retratado na série, embora seja uma considerável ilustração ao "roteiro" real. Recomendo a leitura do texto recém postado sobre "Trabalhos com Demônios na Bruxaria Tradicional", pois mais uma vez nos voltamos para a misteriosa Stregoneria (...).


Como explanei no texto sobre trabalhos com demônios a palavra Inferno se origina do termo em latim infernus ou infernum que se refere etimologicamente a um outro mundo que estaria INFERior ao nosso. Ao traduzir a bíblia judaico-cristã de aramaico e hebraico para o latim (idiomas muito distintos) os tradutores acharam que a melhor palavra para rotular seu suposto submundo cristão seria Infernum, mas, como sabemos, a cultura hebreia foi diretamente influenciada pelas religiões politeístas egípcia, suméria e fenícia (e, mais tarde, pela cultura helenística greco-romana), por tanto, o inferno hebreu é um plágio do Duat egípcio. Essa breve explicação é a chave para desvincularmos nossa compreensão de Inferno aqui da visão cristã sobre o mesmo atualmente popularizada.

Na Stregoneria e religião romana o Inferno é apenas o submundo dos antigos italianos e seus povos indígenas, ou seja, trata-se de um reino dos mortos tal como o Hades dos gregos e o Hel para os nórdicos. Na cultura grega, próximo ao Hades está o Tártaros que podemos descrever com a ala densa, tortuosa e perigosa desse mundo mórbido; na cultura nórdica, a baixo do Hel ainda há o Niflhel que é exatamente similar ao Tártaros, ou seja, é onde está o ardente caldeirão de Hel fervendo as almas malditas; no Infernum italiano não é diferente, existe também uma ala pouco recomendada para se estar, mas no geral (80%) é apenas o reino dos mortos.


O daemon mais conhecido e que, por sua vez, acaba - as vezes - dando nome ao próprio Inferno é Orco. Um dos daemones mais poderosos e regente da morte que é retratado em imagens etruscas como um homem barbado as vezes confundido com Plutão pelos mais leigos na popular religião romana. Também descrito (Orco) como "Irmão da Noite" nos textos de Virgílio em referência ao seu poder em trevas. Mas, além do substantivo infernus, este mundo inferior também era chamado de Averno.

Lêmures é o termo dado para espíritos malfazejos na cultura italiana, são espíritos que negam-se a ir para o Inferno, pois sabem que serão destinados à ala tortuosa onde ficariam perdidas em sofrimento até conseguirem energia (ou apoio energético) para ascender para os "andares" da ala mais tranquila e, para isso, precisam trabalhar arduamente e aprender a "jogar" com os demônios.

Descensum é citado e ilustrado em alguns poemas e lendas da Idade Antiga tanto gregos quanto romanos. Na Odisséia de Homero Odisseu é orientado pela bruxa Circe e pelo Vento-Norte (Bóreas) a descer com seu barco ao Hades para buscar o espírito de uma pessoa morta; Na Eneida de Virgílio Enéias vai ao "reino de Plutão" guiado pela sacerdotisa de Febus. Na Stregoneria descer ao Inferno é um passo importante, processual e - obviamente - perigoso, logo, para ser feito é preciso ter sido evidentemente preparado ao longo do tempo a nível energético, intelectual e espiritual.



O aspecto "processual" do Descensum fica claro quando entendemos o Uestibulum Infernales que podemos ilustrar como os andares de um edifício que são organizados de acordo com as questões humanas em torno da morte: Luctus (Remorso), Morbus (Enfermidade), Senectus Tristi (Velhice), Metus (Medo) e Egestas (Pobreza). Virgílio nomeia esses "andares" de Umbrais (tendo escrito seus textos muito antes de o Espiritismo sonhar em existir...), nos primeiros umbrais estão as almas das crianças tiradas - pela morte - precocemente de suas mães, os condenados à morte por crimes terrenos são julgados em tribunais presididos pelos Minos (Juízes); nos umbrais posteriores estão os que se deixaram destruir pelo amor onde, segundo Virgílio, está a árvore sagrada de Vênus; nos umbrais mais à baixo estão os suicidas que vivem sem o almejado "sossego" sonhado no ato; mas é no mais inferior e oculto dos umbrais que está a bifurcação entre os caminhos dos umbrais comuns (antes citados) para dois caminhos: Os Campos Tranquilos -à direita- e o Extremo Umbral -à esquerda- (também citados na cultura helenística como Campos Elísios e Tártaros) sendo totalmente distinta daquela famosa ideia onde o "paraíso" estaria no Céu ou seria Superior.


A bruxa arcaica, semelhante aos heróis de Homero e Virgílio, possui várias razões para descer ao Inferno ligadas à conquistas e revelações que estão ligadas famosa máxima délfica "Conheça a Ti Mesmo" também presente (de forma semelhante, e não igual) na Stregoneria, mas não existe um Inferno Pessoal, essa é apenas uma metáfora para o quão a bruxa conhecerá a suas próprias sombras após sua descida. Há inúmeros mistérios e detalhes sobre esta questão que não revelarei aqui, contudo, todo esse texto abre portas para uma larga compreensão e desconstrução do Inferno na Bruxaria. Escrevi textos mais aprofundados sobre este lado oculto da Stregoneria, Daemones e Inferno no curso MAGIA REAL, para ampliar seus estudos e entender melhor as bases e os procedimentos recomendo o curso. Para adquiri-lo entre em contato pelo whatsapp 051 9577-6891.


- ROBERTO DE SOUZA 

domingo, 1 de outubro de 2017

Trabalhos com Demônios na Bruxaria Tradicional?

Depois de meses sem postar nada inédito no blog retorno com um tema polêmico que atrai muitos curiosos: a relação e o trabalho com espíritos demoníacos na BT (...).


Antes de tudo é importante compreendermos que, para a BT, não existe uma magia rotulada como negra ou branca, para resumir: tudo é cinza. A bruxa é cinza! Pois não é possível construir sem destruir e vice-versa, isso fica bem claro na famosa lei da ação e reação que geralmente é interpretada como "lei do retorno". O mal e o bem são relativos e isso é intrínseco a qualquer ser existente visível ou invisível, as bruxas que se classificam como "boas" ignoram a destruição que está por trás de cada construção mágica feita pela mesma. Não cremos em karmas, lei tríplice ou qualquer similaridade. Existe um retorno? Não como as pessoas pensam! O retorno seria uma reação da ação, é como um diálogo se soubermos usar as palavras certas para dizer o que é necessário não teremos uma reação bruta da parte do outro, esta é a dica, saber fazer. Eu poderia passar esse texto todo falando sobre essa questão, mas sigamos rumo ao tema...

Para abordarmos este assunto precisamos começar do início e quando me refiro a "início" falo de uma visão primitiva sobre a questão, é importante os satanistas de plantão começarem a separar o joio do trigo quando usam a mitologia bíblica judaico-cristã para justificarem a origem dos demônios mais famosos, um básico conhecimento sobre história nos revela a ascensão cristã após a queda do Império Romano e, consequentemente, do fim da Antiguidade para o início da Idade Média, contudo, o trabalho com espíritos demoníacos já existia entre os "pagãos" muito antes de o cristianismo, judaísmo ou magia salomônica sonharem em existir, ou seja, vem de um tempo tão primitivo que as organizações políticas (governos liderados por reis, rainhas e imperadores) mal existiam.

Para começar a palavra "demônio" não pertence ao hebraico ou aramaico, mas tem origem grega (Daimon, significa Espírito. Geralmente era utilizado para se referir a Espíritos Etéreos, ou seja, "fadas") e é incorporada ao latim (Daemones, significa Espíritos Infernais) e, por consequência, na tradução da bíblia para o latim foi uma palavra escolhida para rotular seres da mitologia judaico-cristã. Não preciso ressaltar a gigantesca discrepância entre os idiomas hebraico e aramaico em relação com o latim, pois é enorme! Há dois fatores que, historicamente, interferem nessa questão: 1) os hebreus foram diretamente influenciados pelos egípcios ao serem escravizados pelos mesmos e isso explica toda a construção da imagem de um deus muito similar ao Rá egípcio e a concepção de céu e inferno uma vez que os egípcios tinham a mesma ideia de reino subterrâneo cheio de provações e de um julgamento pós-morte realizado por Osíris (entre tantos outros aspectos...), mas o principal é a existência de espíritos imundos que se alimentavam de fezes, habitavam o Duat (submundo egípcio) e realizavam trabalhos de maldição; 2) Embora os espíritos maus da mitologia judaico-cristã fossem uma cópia dos espíritos imundos egípcios dentro de uma concepção geral (pois outras influências tais como os sumérios e fenícios também influenciarão os hebreus) os tradutores da bíblia utilizaram uma palavra que os antigos italianos usavam para se referir aos "Spiritum Infernales" que não eram exatamente espíritos imundos ou maus, mas foi a palavra que julgaram mais próxima, um grande erro!

Há duas discordâncias da compreensão judaico-cristã em relação com o entendimento das antigas bruxas italianas. A primeira é com relação ao Inferno, no latim esta palavra se refere a um mundo INFERior, ou seja, a baixo do nosso mundo, semelhante ao Hades dos gregos e ao Hel dos nórdicos, tratava-se apenas do reino dos mortos para onde todos (sem exceção) iriam no pós-morte. Logo o Inferno real não é cheio de fogo e sofrimento eterno, não vou dizer que é o melhor lugar para se estar, contudo, digamos que existem vários andares/planos no Inferno (...). A segunda está atrelada aos demônios, são espíritos que trabalham no Inferno e com os mortos e por isso são consequentemente carregados da maldade humana, suas essências não é boa ou má, mas, com certeza, eles não são de muita conversa e doçura, pelo contrário, são desconfiados, objetivos, amargos e de poucos amigos, mas fazem parte do mundo natural tal como qualquer outro espírito. Não deixam de ser espíritos etéreos, mas seu instinto está voltado para o lado mais egoísta da natureza. E, sim, as stregas trabalham com eles para a vulga magia "negra" dentro da bruxaria tradicional italiana.

Ao meu ver, muitos magistas negros trabalham - sem saber - com alguns deles, por mais que os chamem por outros nomes ou os evoquem a partir de uma outra roupagem ritualística, afinal, após séculos sendo chamados de demônios esse "rótulo" adentrou o Outro Mundo e se enraizou para classificar sua espécie.

Os bruxos e bruxas tradicionais que praticam a Stregoneria geralmente não hesitam em solicitar os favores dos demônios, e, sem culpa ou medo, mas apenas cuidado e respeito. Há diversos mitos que tentam explicar, na bruxaria, a origem deles, mas prefiro a teoria de que foram espíritos humanos muito antigos que após morrerem assumiram tais postos por terem passado por experiências muito densas e amargas.

Apresento mais detalhes sobre o trabalho com demônios e informações sobre a Stregoneria no curso "MAGIA REAL" que se trata de um livro com três partes onde abordo da teoria à prática várias formas de magia e bruxaria tradicional e resolvi comercializá-lo, para adquirir entre em contato comigo por meio do contato (whatsapp) 051 9577-6891.




- Roberto de Souza

quarta-feira, 3 de maio de 2017

Purificação do Lar com Runas em Velas


Depois da limpeza física e de jogar um pouco de água com sal grosso pelos cantos da casa, faça esse simples ritual adaptado de técnicas tradicionais rúnicas.

Use uma ou três velas brancas e as runas Fehu, Kenaz e Sowilo (as três na mesma vela como está na foto ou uma em cada vela) desenhando-as com tinta preta ou vermelha enquanto canta os sons de cada uma:
..


"Ffffffff.. Ferru..."
"Ka ke ki ko...."
"Ssssssss... Souelu...."

Acenda a vela (com fósforo) e vá caminhando com ela pela casa ao cantar os sons rúnicos e desenhar a runa Kenaz no ar e nos quatro cantos de cada cômodo. Chegando na porta de casa sopre a chama da vela para fora de casa apagando a mesma. Reacenda a vela cantando apenas o som de Fehu e deixe queimando até o fim no cômodo principal da casa. Está feito.


OBS: Esta é uma adaptação de um ritual tradicional feito com tochas pequenas, este ritual também foi resumido para se tornar mais fácil de realizar (outros detalhes são mais complexos e misteriosos).


- Roberto de Souza

quarta-feira, 12 de abril de 2017

Os Elfos (Álfar)


Há uma tendência medieval - que se estendeu ao renascentismo e ao modernismo - de tentar facilitar a compreensão humana sobre a grande diversidade presente nas existências e Mundos sincretizando, misturando e universalizando todos os seres etéreos, divindades e costumes na tentativa de unificá-los e simplificá-los acabando por desrespeitar totalmente sua real origem, significado e singularidade. Muitos autores antropocêntricos colocarão os elfos (álfar na Islândia) como fadas de forma genérica incluindo-os entre o que os modernistas chamam de 'Elementais' (termo que teve grande reverberação no Renascimento entre ocultistas e esotéricos), mas os elfos são extremamente singulares e genuínos aos olhos dos que os conhecem (e isso melhora quando você conhece também conhece as fadas célticas - sióga na Irlanda - e nota a gigantesca diferença!).



Na Tradição Islandesa dois tipos de álfar são considerados: os ljósálfar (elfos da luz) e os dökkálfar (elfos do escuro). Os Ljósálfar pertencem a morada de Alfheimr e são regidos pela deusa Sunna e pelo deus Freyr, estão associados a elevação, a inspiração criativa, as artes, a sensibilidade, intelectualidade e a música (natureza da runa Ansuz); os Dökkálfar pertencem a morada de Dökkalfheimr juntamente com os Dvergur (anões) e são regidos também por Sunna que desce a morada deles no “pôr-do-sol”, estão associados a sexualidade, ao físico, a força, a fertilidade, ao artesanato e trabalhos manuais e também a sensualidade (natureza da runa Uruz). Os álfar (ljós ou dökk) não são sílfides ou seres especificamente aéreos, são muito mais do que apenas seres relacionados a algum elemento padrão.



A imagem estereotipada dos álfar os coloca como andrógenos de aparência feminina, loiros de cabelos longos, orelhas pontudas, e as vezes chapéu pontudo e etc. Só posso dizer que os álfar são muito mais parecidos conosco do que se imagina, claro que são muito diferentes de nós, são singulares, únicos, mas toda essa fantasia que estereotipa suas aparências estão recheadas de uma exagerada dose de confusão e ilusão, não procure nos livros, os álfar verdadeiros não estão nas conclusões do imaginário autoral, quer saber como um elfo realmente é? Vivencie.


- Roberto de Souza

segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Diferenças entre Wicca e Bruxaria Tradicional (Pt. 2)

8. Quatro Elementos

Será que os elementos são organizados em quatro em todas as vertentes da Bruxaria?



Na Bruxaria Moderna (Wicca) sim! O sistema de compreensão dos elementos enquanto terra (sólido), ar (intelecto), fogo (desejo) e água (intuição), essas associações esotéricas também foram adotadas pela prática modernista de Gardner, Scott Cunninghan aborda amplamente diversas associações entre esses quatro elementos com a natureza humana, feiticeira modernista, animal, artística e etc. As considerações esotéricas estão muito presentes no Wicca, uma vez que a Feitiçaria Moderna nasceu no meio esotérico por volta dos anos 50 e diversos outros aspectos foram incorporados (relevância dos horóscopos, influências planetárias - de horas a dias -, espiritualismo, simbologia matemática, etc.). Os quatro elementos e suas associações esotéricas são evocados em todos os rituais modernos e seus espíritos são generalizados em: gnomos, sílfides, salamandras e ondinas (independente do panteão dos deuses a serem convocados ao ritual em questão). Acreditam que a harmonia com os quatro elementos eleva ao equilíbrio.



Na Bruxaria Tradicional (BT) não! Na verdade os elementos podem ser compreendidos em quatro em algumas tradições regionais (a exemplo das helênicas) de BT, contudo, não é uma regra para todas as tradições de BT e as tradições que possuem esse modelo de compreensão dos elementos não os associam a aspectos específicos, e muito menos, a natureza humana. As considerações de BT estão muito afastadas das associações esotéricas (a astronomia é considerada em algumas tradições; o horóscopo não tem relevância enquanto costume de BT; Saturno, Vênus, Júpiter e etc. são nomes de Deuses - Deos - romanos e não planetas - o nome desses Deuses foi dado aos planetas posteriormente, nas tradições romanas existem dias dos Deos; a simbologia tradicional é extremamente etnológica e consequentemente os símbolos não são matemáticos, etc.). Mesmo nas tradições regionais de BT que incluem os quatro elementos a evocação de seres etéreos não é um costume genérico, em algumas tradições são guardiões das direções e não seres etéreos propriamente ditos (respeita-se relevantemente o panteão com o qual se está relacionando - uma vez que cada tradição regional de BT relaciona-se APENAS com um panteão regional -, por isso não generalizam-se os seres, exemplos: gnomos são celtas, elfos são nórdicos, nymphas são gregas e faunos são romanos). Algumas tradições (a exemplo das celtas e nórdicas) relacionam-se com o equilíbrio que pode ser alcançado entre a luz e as trevas, o dia e a noite, estações, emoções e etc. Para os tradicionalistas céltico-irlandeses, por exemplo, são considerados mais de seis elementos. A BT respeita e considera a singularidade de cada tradição regional e também a singularidade de cada divindade sendo avessa a neossíncretismos.

9. Instrumentos de Poder


A chamada Bruxaria Moderna (Wicca) adotou instrumentos ritualísticos de diversas tradições diferentes e os ressignificou dando aos mesmos (novas) características, entre elas, especialmente características SEXUAIS. Segundo Doreen Valiente (iniciada de Gardner) o Wicca objetivou um viés de sexualização em prol de introduzir uma naturalização da sexualidade na sociedade (embora a homossexualidade fosse tratada pelos mesmos como algo anormal). A vassoura (italiana), o bastão (céltico) e o caldeirão (céltico) tornaram-se a união do falo masculino com a vagina feminina, o falo masculino e o útero feminino.




Nas diversas Tradições Regionais de BT (Bruxaria Tradicional) cada instrumento vai pertencer a sua tradição de origem, ou seja, por mais que bruxos italianos e nórdicos utilizem vassouras, a vassoura italiana é consagrada e confeccionada de uma forma totalmente diferente da vassoura nórdica e podem se diferenciar inclusive em suas funções. O mesmo ocorre com o bastão céltico (bata) e o bastão nórdico (gandr), mas uma coisa é certa: NÃO há significados sexuais! São instrumentos de poder de uso ritualístico e arcaico, a sexualidade tradicionalista está muito mais arraigada no corpo, na libido humana e animal, no instinto, no desejo e na arte. Sim, o sexo é tido como algo sagrado em algumas Tradições Regionais, mas isso nunca influenciou tradicionalmente nos instrumentos sagrados.

10. Vertentes e Tradições


É sabido que a Bruxaria Tradicional (BT) é um título que inclui muitas Tradições (conjunto de costumes pertencente a um determinado povo de determinada região) e Clãs (grupos de bruxos que seguem determinada Tradição ou Tradições de forma não sincrética). As vertentes da BT são justamente as suas Tradições Regionais que, sim, são europeias (Tradições Egípcias são classificadas como Magia Antiga e Feitiçaria Tradicional). Falar de Tradições Regionais é complexo, cada Tradição é muito singular, algumas são nacionais (praticada em um país amplamente) outras são literalmente regionais, e mesmo que existam Tradições que se consideram nacionais podem existir outras (obviamente pertencendo a mesma nação). Algumas das Tradições de BT mais conhecidas são: a Stregoneria (Italiana - variações: laziana, romana, etrusca e grega); a Mαγεία (Hellênica - variações: ateniense, délfica, cretence e outras); entre outras como as Tradições Irlandesas, Britânicas, da Cornuália (célticas); Germânicas como as Tradições islandesa, norueguesa, dinamarquesa, alemã e outras.




Na Bruxaria Moderna o tema é menos complexo, mas ainda o é. Enquanto as Tradições Regionais de BT são ancestrais e étnicas, as Tradições Modernas foram recentemente criadas e não obrigatoriamente com um embasamento regional, mas sim carregando os nomes de seus criadores, deuses mais cultuados ou práticas esotéricas, alguns exemplos são as Tradições: Gardneriana (idealizada por Gerald Gardner); Alexandrina (idealizada por Alexandre Sanders); entre outras como a Georgina, a Dianica, a Eclética, etc. É importante salientar que a Wicca é compreendida como uma vertente da Bruxaria Moderna e não a própria, muitos bruxos modernos não se consideram wiccans embora acreditem na Deusa (Una), no Deus Cornífero (Uno) e usem o Pentagrama como símbolo central de sua fé. A ideia de grupos modernos são os nomeados covens (que para bruxos tradicionais é uma "filial" do clã), assembleias (que para alguns bruxos tradicionais é um ritual específico), novas tradições, círculos e grovens.

11. Círculos e Espaços Sagrados


O famoso hábito de lançar círculos de energia com um instrumento que o Wicca nomeou como ‘Athame’ provém do Ocultismo do século XIX, até a própria organização do espaço interior do círculo wiccano se organiza de acordo com os princípios herméticos (quatro vias, cruzamento no centro) ocultistas. Alguns autores afirmam que o Wicca originou-se da Bruxaria Tradicional e modernizou sua prática, a verdade dessa afirmação é que provavelmente o Wicca tentou fazê-lo e conseguiu aproximar-se superficialmente de alguns aspectos de uma ou outra Tradição de Bruxaria Medieval (o que explica as deidades masculina e feminina como núcleo do culto), o trabalho com seres etéreos (que o Wicca chama de ‘Elementais’ por influência do Esoterismo Renascentista) é um aspecto que algumas Tradições de BT tem em "comum" com o Wicca, mas em BT isso é feito de maneiras completamente diferentes!




Em BT Antiga os Espaços Sagrados vão variar de Tradição para Tradição Regional, como o próprio título diz, depende dos costumes de determinada região. Acredito que ficou claro que nenhuma Tradição Regional lançava círculos como é feito na Bruxaria Moderna, na Tradição Irlandesa o Espaço é formado por um círculo de pedras que pode ser chamado de Santuário em português ou de Cromlech em inglês tradicionalmente, na Tradição Germano-Islandesa o círculo pode ser uma opção, mas não composto de pedras e sim de estacas de madeiras sagradas e cordas (muitos detalhes tradicionais são levados em consideração para validar esses espaços, não é apenas colocar as pedras ou as estacas no chão e pronto!). No caso de outras Tradições como a Ateniense o Espaço Sagrado não tem forma de círculo ou forma específica e sim um modo tradicional de estabelece-lo. As Tradições Italianas também não trabalham com espaços circulares tradicionalmente. Em BT as Tradições trabalham com os espíritos da terra para selarem o Espaço Sagrado, mas os detalhes de como isso é feito só é sabido por quem pratica.


12. Ancestralidade


Honrar os ancestrais é um costume cotidiano nas Tradições Regionais de Bruxaria Tradicional, o trabalho com esses espíritos também é explorado a modo tradicional, ou seja, singular a cada Clã e tipo de costume tradicional. Claro que existem ocasiões que propõem mais fortemente a honra, o contato e o trabalho com ancestrais, na Tradição Irlandesa, por exemplo, no último Festival do Fogo, o Samhain, os ancestrais são especialmente honrados; ocorre algo semelhante no Fallablót da Tradição Islandesa, no Agathos Daimon da Tradição Ateniense, e na Parentália da Tradição Romana. Tradicionalmente e naturalmente os ancestrais acabam sendo honrados ao menos uma vez por mês por bruxos tradicionais. Na maioria das Tradições Regionais nenhuma atividade ritualística, cerimonial ou festiva é iniciada antes de estabelecer o espaço sagrado e honrar os ancestrais que estão inclusos no que consideramos como Espíritos da Terra. Diferente da prática moderna que só honra seus ancestrais em alguns de seus Sabates específicos e o fazem de maneira distante, evitando o contato e o diálogo.

13. Mundos e Reinos


Embora seja sabido que nas antigas crenças pré-cristãs e politeístas da Europa se acredita em diversos Reinos e que inclusive alguns são muito singulares, a Bruxaria Moderna resolveu fundamentar novos reinos aos quais chama de ‘planos’ talvez por influência do Espiritismo e/ou Esoterismo. Os planos modernos são o plano superior, chamado de Terra do Verão (Summer Land), o plano físico, chamado por alguns de Mãe Terra e por outros de Universo, e o plano inferior, chamado de Submundo ou “Útero da Deusa”. Na Bruxaria Tradicional isso não é válido uma vez que somente na Tradição Ateniense são considerados no mínimo cinco (5) reinos, quatro espirituais e um mortal: o Olimpo (morada dos Theoi [Deuses]), os Campos Elíseos (destinado aos espíritos honrosos), a Geia (morada dos mortais), o Tártaros (sub-reino destinado aos espíritos desonrosos) e o Hades (sub-reino destinado a todos os espíritos dos mortos). Para os celtas da Irlanda o Reino dos Mortos nunca foi subterrâneo e se encontrava no Tír nÓg (Outro Mundo). Para os italianos o Infernus era subterrâneo, contudo, não era um lugar completamente ruim e triste incluindo diferentes Reinos em si (nessa tradição em específico o Infernus é considerado o Útero de Terrae Mater, a Mãe Terra - fato singular, não há nada de semelhante nas tradições feiticeiras: Irlandesa, Islandesa, Egípcias e Helênicas). Então, obviamente, varia de Tradição para Tradição Regional, contudo o entendimento tradicional é muito amplo nesse aspecto e não se resume apenas a três “planos”.





14. Marca do Ofício


Os modernistas desconhecem tal marca, contudo, ela é a ancestralidade do ofício do bruxo tradicionalista, é ela que carrega o antigo poder e os mistérios das tribos de origem do espírito e/ou do sangue do genuíno filho dos velhos caminhos. Encontrá-la não é algo exatamente visível, mas é ela que vai orientar a questão do destino oficial do praticante. Não a possuir não é ruim, contudo, representa um destino de necessidade de aprendizado e profundo para recebê-la na perspectiva daquele ofício em específico.


- Roberto de Souza
Magister

domingo, 1 de janeiro de 2017

Diferenças entre Wicca e Bruxaria Tradicional (Pt. 1)


1. Lei do Retorno



Tradições de Bruxaria Tradicional (BT) em geral não reconhecem a recentíssima Lei Tríplice (essa é uma lei nova, não há nenhum registro da existência dela nas crenças antigas) da Bruxaria Moderna e nem em 'karmas' (uma vez que esse conceito não pertence as tradições europeias e/ou egípcias), algumas tradições de BT interpretam o "Retorno" como consequência dos seus sentimentos e não dos seus atos, então – para estas – se não há culpa não há retorno, se há satisfação é a satisfação que reinará no interior do bruxo e também retornará a ele seja o ato favorável ou não. Existem tradições de BT nas quais o retorno só ocorre se houver arrependimento do feitiço lançado, não havendo o retorno não existe! E existem tradições na quais o retorno - dentro das perspectivas apresentadas – realmente não existe e não há preocupação com isto, em algumas delas o que pode se voltar contra o bruxo é o poder com o qual o mesmo trabalha se houver insegurança de sua parte. E etc., mas nunca a existência de uma Lei que realiza um retorno triplo foi tradicional! Ainda assim não há nada que possamos chamar de “Lei” referente ao retorno.



Na Bruxaria Moderna (Wicca) acredita-se na Lei Tríplice como Lei do Retorno e que de certa forma ambas estão relacionadas com o pagamento de karmas nessa mesma vida.



Conclusão: a lei tríplice não existe na Bruxaria Tradicional, pois trata-se de uma crença moderna e por tanto surgida na modernidade. 



2. Roda do Ano (Ciclo Sazonal)




Há um grande rebuliço nos meios da “bruxaria” neopagã (wicca) sobre o giro de sua Roda que, na perspectiva wiccana, está relacionada aos seus oito sabates. Meu objetivo não é trazer uma problemática que não me compete aqui, uma vez que não sou neopagão ou pagão, meu objetivo é trazer um pouco do ponto de vista tradicionalista referente à festivais, rituais e calendários e consequentemente sobre o que chamam de ‘roda’.




A Roda é antes de tudo um símbolo presente em algumas culturas politeístas a exemplo da céltico-galesa e itálico-romana, mas sua simbologia só está atrelada à temporalidades e existências na cultura germânica onde pode ser entendia como octostar ou estrela de oito extremidades, nessa perspectiva não há uma roda. Mas dentro de uma perspectiva extremamente sincrética a octostar seria a roda do deus céltico-gaulês Taranis (atrelada ao inverno estando relacionada com o sazonal) ou a roda dos deuses celestes itálico-romanos tais como Jupiter, Luna e Sol Invictus. Originalmente a perspectiva sincrética não é genuína, e nas tradições arcaicas o que marca a passagem do tempo são as luas tanto na perspectiva céltica (especialmente a irlandesa) quanto na perspectiva germânica (especialmente a islandesa), por tanto nunca chamamos a passagem do tempo de “giro da roda”, e é importante desmistificar que na Magia Folclórica Tradicional (Pré-Medieval) nunca se realizaram sabates ou esbates! Essa perspectiva nasce com a Bruxaria Tradicional Medieval que foi – como sempre digo – a maior fonte de inspiração de Gardner na criação da “bruxaria” moderna. A Feitiçaria Pré-Medieval possui diversos festivais e rituais – alguns desconhecidos e pouco mencionados em escritos ou livros e, muito menos, na internet – e sua organização cronológica está totalmente dissociada do calendário cívico em atual uso! Ou seja, o Imbolg (conhecido como Imbolc ou Oimelc) jamais ocorreu no dia 02 de fevereiro. O Beltain (conhecido como Beltane) jamais ocorreu em 01 de maio e o Samhain nunca ocorreu em 31 de outubro, uma vez que os celtas (especialmente os irlandeses) não se orientavam por um calendário que nem existia para eles. O sincretismo – e se você costuma ler minhas postagens, sabe disso – é totalmente avesso ao tradicionalismo, então creio que esteja óbvio que os magos celtas da Irlanda nunca tiveram oito festivais e sim quatro! Os sabates modernos como o Ostara e o Litha estão atrelados à vestígios vagos das culturas germânicas também de forma sincrética. Existe uma grande dificuldade popular no entendimento que sapara religião politeísta de ofício feiticeiro! Ser um feiticeiro ou mago na antiguidade era um ofício, um estilo de vida, uma profissão, uma vida inteira era devotada a tais estudos, mas um feiticeiro não era um sacerdote – embora, em algumas tradições os sacerdotes praticassem, a seu modo, alguma forma de magia -, não vivia em templos, levava uma vida basicamente normal, não tinha obrigação de ser virtuoso ou maléfico, ajudava quem merecia ou em troca de pagamento, não devotava sua vida a servir aos deuses, mas em se relacionar com eles (assim como é até hoje entre nós, tradicionalistas). Em algumas culturas os sacerdotes e feiticeiros não se davam nada bem! Então que esteja claro: os ofícios feiticeiros possuem seus próprios “calendários”, ou seja, muitas vezes os calendários religiosos (sacerdotais) não eram uma referência e muito menos fielmente seguidos. Há muito a ser aprendido sobre os mistérios feiticeiros da antiguidade, há uma imensidão que nunca será revelada na facilidade da internet ou na mercadologia dos livros.



Na Magia Folclórica Tradicional Pré-Medieval há festivais atrelados e não atrelados ao ciclo sazonal e somos objetivos nesse aspecto, ou seja, os festivais dessa natureza ocorrem em sua respectiva estação local. Há festivais que seguem épocas dos calendários arcaicos e assim são orientados. E etc. Nunca houve entre nós a necessidade de criar um calendário do norte e outro do sul, ou misto, sei lá.


3. Fase de Dedicação

Existe FASE DE DEDICAÇÃO na Bruxaria Tradicional?




A priori é relevante entendermos que a Bruxaria Tradicional é muito HETEROGÊNEA, ou seja, muitas Tradições Regionais compõem o leque das cores tradicionalistas. Farei a explanação sobre o tema em questão com base nas Tradições Folclóricas Pré-Medievais que conheço.



Não existe uma obrigatoriedade da existência de cerimônias, graus ou iniciações nas tradições, algumas originalmente consideram desnecessário um ritual iniciático e muito menos um período pré-iniciático! A maioria das tradições folclóricas entendem o Mito da Iniciação dentro da perspectiva processual natural e as vezes entendidas como graus ou apenas por períodos, algumas tradições não compreendem o Mito tal como graus ou períodos, principalmente as tradições familiares (ou na perspectiva familiar) quando se entende que nasce-se como tal incluindo ritos de integração ou agregação para membros externos a família (maridos e esposas dos herdeiros/as) que passam a fazer parte da mesma e de seu ofício. Na perspectiva mais tradicional regional as cerimônias que comportam os rituais voltados para o Mito são – em algumas tradições – necessários para se afinar com aspectos mágico-espirituais internos e externos e para que o indivíduo possa estar preparado para vivenciar intensamente esse Mito existe um período de aprendizado. Em algumas tradições esse período tem uma determinada durabilidade que pode ou não ser cumprida – isso depende muito do iniciante -, em outras tradições o período simplesmente não tem uma durabilidade dependendo totalmente do iniciante trabalhar para estar apto para tal vivência mágico-espiritual. Ninguém se inicia nas tradições folclóricas oficiantes para servir aos Deuses, ou seja, não há um sacerdócio, mas sim um ofício feiticeiro onde o indivíduo trabalha primeiramente por si, os mestres – em gratidão aos mestres anteriores e a sabedoria ancestral – o ajudam se o reconhecerem como DIGNO (o que será feito pelo mesmo mais tarde quando tornar-se mestre), e os Deuses o favorecem se seu trabalho e dedicação são honrosos. Uma pessoa é iniciada por mérito próprio, pelo seu próprio trabalho, construção de relações com os Deuses, dedicação ao Clã, respeito aos mestres, tudo isso é um investimento em si mesmo, pois tudo que o indivíduo vivenciar e desenvolver magico-espiritualmente pertencerá a ele e não aos Deuses ou aos seus mestres! Nenhum período pré-iniciático tradicional folclórico tem a duração de “um ano e um dia” uma vez que o calendário em uso atual não era utilizado em tais tradições arcaicas. Nos períodos de aprendizado o foco é aprender e não ser testado, se algo ocorre de turbulento na vida do iniciante é muito mais uma adaptação a toda rotina do Ofício Feiticeiro (que é bem movimentada em alguns Clãs) ou se o mesmo mora com uma família cristã que discorda da sua escolha de se agregar a um Clã de Feitiçaria, mas estas coisas não são “provações” dos Deuses, mas sim adaptações perante o “novo” caminho escolhido. Os períodos variarão de tradição para tradição assim como também variarão de pessoa para pessoa...

4. O Pentagrama


O Pentagrama é o símbolo oficial da Bruxaria?




Na verdade, a origem histórica do pentagrama está no Pitagorismo, lembra de Pitágoras, o Pai da Matemática? Lembra também que o você viu símbolos matemáticos nas aulas de geometria como: triângulo equilátero, retângulo, quadrado, cone, hexagrama, e - se deu sorte viu também - o pentagrama. Não existia somente a Escola de Pitágoras, existiu também a Irmandade Pitagórica que alguns classificam como filosofia neo helênica, os membros dessa fraternidade não eram exatamente pagãos, mas sim teóricos que acreditavam que as escalas musicais e a numerologia detalhada carregavam vibrações. Os pitagóricos davam ao pentagrama o significado de virtude, suas cinco pontas referiam-se aos quatro elementos naturais e ao espírito (topo) e os membros o utilizavam para reconhecerem-se, ou seja, como símbolo oficial de sua filosofia.



Mais tarde o movimento esotérico (anterior ao surgimento da Bruxaria Moderna/Wicca) adota o pentagrama enquanto um dos símbolos oficiais do movimento em razão de seu significado pitagórico que se harmonizava com a universalização esotérica. Posteriormente o Wicca (Bruxaria Moderna) surge no meio esotérico e consequentemente aglomera diversos aspectos universalistas e simbólicos do meio de origem adotando o pentagrama enquanto símbolo oficial de sua filosofia e deidades, algumas tradições wiccanas inclusive (por volta de 1970) passaram a associá-lo enfaticamente ao feminino, e passou-se a buscar fundamentos para caracterizá-lo como símbolo arcaico presente em todas as culturas pagãs.



Na Bruxaria Tradicional o pentagrama não representa nenhuma das Tradições regionais (e nem está presente nelas) e muito menos é o seu símbolo oficial, na verdade os costumes, mistérios e filosofias tradicionalistas estão muito afastados da ideologia pitagórica e/ou esotérica, e para a mesma não existe o espírito enquanto elemento, o espírito é metafísico assim como os Deuses, seres etéreos, e etc. Cada Tradição Regional vai possuir seus símbolos atrelados a sua etnia e identidade ancestral, nem mesmo na Bruxaria Tradicional Helênica (a exemplo da Tradição Ateniense) o pentagrama é reconhecido enquanto símbolo de Magia, Feitiçaria ou devoção. Acredito que esteja clara a heterogeneidade da Bruxaria Tradicional que não permite que exista um símbolo oficial que represente todas as tradições regionais, contudo, há alguns aspectos em comum entre essas tradições: os mistérios, o silêncio, a honra ou trabalho com ancestrais, a compreensão dos deuses pela via da singularidade, entre outras.

5. Ofícios


A Bruxaria Tradicional é sacerdotal? Tem iniciação?




Na Bruxaria Tradicional (BT) existem ofícios que podem até ser entendidos como "sacerdotais", mas a palavra mais coerente para isso - tradicionalmente - é ofício (craft) mesmo (vários clãs de BT a consideram um Ofício e não uma religião)! Não existe uma obrigatoriedade quanto ao caminho oficial (iniciático) para ter-se acesso a pratica e vivencia feiticeiras básicas, e – para algumas tradições – para ser um bruxo/a não precisa ser iniciado, mas conhecer com propriedade a tradição, seus costumes e práticas ancestrais. Porém, o conhecimento tradicional é tão estimado quanto nas tradições que mencionei antes, mas o mito misterioso da “iniciação” é vivido em uma ritualística que marca – como um rito de passagem – a entrada do indivíduo no ofício/clã. Muitas tradições entendem o ofício como uma missão ancestral e por isso incluem os agregados numa perspectiva de participantes ou membros (perspectiva que varia de acordo com a Tradição) que aprendem e praticam os mistérios iniciais e permanecem no clã sem precisar tornarem-se oficiantes. Há tradições que colocam os oficiantes em uma hierarquia similar a organização sacerdotal religiosa, ou seja, existindo praticantes, aprendizes e oficiantes. Na compreensão tradicional a iniciação nunca será algo recebido como presente espiritual que torna o indivíduo forte e poderoso através de um ritual mutante (risos)! A iniciação é um processo que parte do aprendizado sobre a Tradição e seus ricos costumes e detalhes e se amplia aos diversos aprendizados do dia-a-dia que – claro – partem das instruções técnicas, teóricas, práticas e espirituais dadas pelo Magister (líder do clã). Ou seja, não adianta montar todo um ritual e manifestar diversas abstrações mágico-espirituais se o iniciando não aprendeu o necessário sobre a Tradição, ocorrendo isso não passa de uma ilusão que muitas vezes pode fazer parte da fantasia criada para pregar sobre a posse de falsos poderes e forças mágicas, seduzindo ambiciosos de plantão. As posições hierárquicas entre os ofícios feiticeiros vão variar de tradição regional para tradição regional, mas geralmente se divide como bruxo/a e magister. 



Na Bruxaria Moderna (Wicca) existe uma obrigatoriedade quanto ao caminho sacerdotal, pois ser um bruxo ou bruxa é também (na concepção moderna) ser sacerdote ou sacerdotisa. Se sua opção for por não se integrar ao oficio sacerdotal então você não pode se iniciar, uma vez que a Wicca se considera uma prática ou espiritualidade sacerdotal. Por tanto é considerado apenas um ofício: bruxo/bruxa que também é sacerdote/sacerdotisa. Os outros ofícios seguem apenas um patamar hierárquico baseado no número três (sacerdote - 1° grau -, sumo sacerdote - 2° grau - e alto sacerdote - 3° grau), existirão também os ofícios temporários de neófito (novo estudante) e postulante (aprendiz) que antecedem a iniciação.

6. Teísmos (compreensão sobre os deuses)


É totalmente questionável um/a dito/a bruxo tradicional cultuar divindades como “Grande Mãe” ou “Deus Cornífero” claramente wiccanas e se dizer tradicionalista bruxo. É importante iniciarmos esse texto reafirmando as diferenças entre Bruxaria Tradicional (BT) e Wicca Tradicional (Gardneriana, Alexandrina). A BT é fortemente politeísta e quando digo isso falo de uma visão não panteísta sobre o assunto, ou seja, na perspectiva cultural (regional e folclórica) politeísta cada divindade é singular em oposição ao pensamento sincrético e universalista de “todas as deusas como faces/arquétipos de uma só deus e todos os deuses como faces/arquétipos de um único deus” e isso piora quando Scott Cunninghan (autor wiccano) traz o conceito monoteísta de uma entidade anterior a essa deusa e esse deus que ao mesmo tempo que é criador é também a manifestação da fusão/união dessas duas entidades. Muitos bruxos tradicionalistas desconsideram o Wicca enquanto religião politeísta e/ou pagã em razão dessas perspectivas radicalmente afastadas das reais crenças politeístas, na verdade o Wicca se aproxima mais do cristianismo e seu monoteísmo como enfatiza Gilberto Lascariz (autor português wiccano), principalmente nas abordagens de Cunninghan. Penso que esse neopaganismo tem confundido a compreensão de imanência dos Deuses na natureza (cada qual em sua particularidade) com uma grande salada que tem por objetivo apenas facilitar a compreensão humana ao tentar “transformar” a compreensão de algo tão plural e diverso em algo reduzido e resumido como ocorre no resumo de todas as deusas e deuses em um único deus/deusa, mas isso tem raízes históricas muito recentes, essas compreensões do Wicca foram fortemente moldadas por um esoterismo que considerava ainda o Cristo e outras personagens da mitologia cristã em sua filosofia, o “paganismo” que se manifestou nesse meio é considerado como “meso-paganismo” por alguns teóricos da historiologia das religiões. Meu intuito aqui não é desvalidar o desvalorizar o Wicca enquanto caminho religioso, assim como o cristianismo, candomblé, umbanda e outros caminhos o Wicca merece ser respeitado, mas isso não faz do mesmo um caminho que possa realmente ser considerado pagão e politeísta, o que define isso é justamente o quanto dessa essência antiga está presente nas bases e alicerces enquanto pensamento, filosofia, crença e religião o que se vê no Wicca muito mais como uma distante tentativa falha ou extremamente poética e guiada pelo imaginário, por fim distante do concreto entendimento politeísta cultural. Conheço wiccanos, principalmente de fora do Brasil, que, primeiramente, não se consideram bruxos, e alguns também não se consideram pagãos e muitos compreendem que sua crença é duoteísta ou monoteísta e NÃO politeísta! Eu admiro wiccanos assim, pois conhecem bem a sua fé e a reconhecem enquanto algo concreto e sério afastado de todo imaginário de autores que só querem vender seus livros.




É importante entender que a BT é um ofício e em muitos casos esse ofício é afunilado, ou seja, oposto a toda essa amplitude neopagã que tenta abraçar todos os deuses (o típico “tentar abraçar o mundo com curtas pernas”). Logo um ofício possui deuses específicos, algo que gosto de chamar de “Panteão Oficial” (trata-se de um grupo de deuses com os quais tradicionalmente se trabalha em determinada região, cultura e tradição), algumas tradições possuem somente 16 deuses de culto, outras possuem (por exemplo) 30 oficiais e 30 de cultos secundários, mas sempre são deuses de uma mesma cultura e região. Você nunca verá na BT (e se ver saiba que não se trata de BT) deuses de culturas totalmente diferentes (exemplo: hindu e celta) sendo cultuados dentro de um espaço ou tradição, esse sincretismo é avesso a BT! É importante também entender que na BT não existe somente a perspectiva folclórica, cultural e regional (politeísta), em sua definição a BT geralmente é descrita em duas perspectivas: a cultural e a medieval. A primeira se manifestou mais na Antiguidade (também chamada de Era Pagã), contudo registros também foram feitos na Idade Média; a segunda é geralmente orientada por grimórios escritos na Idade Média tendo suas manifestações também a partir dela.



Sinto que este texto já está longo e isso graças a polêmica que esse assunto possui hoje no Brasil em um meio tão movido pelo neopaganismo, mas que está se moldando em conhecimento pouco-a-pouco e compreendendo a cada instante mais os velhos caminhos...



Nós, tradicionalistas bruxos inclusos na perspectiva folclórica, compreendemos que a Terra e a Natureza são latentes na magia e sagradas a antiga espiritualidade pagã, também defendemos a conservação e preservação ambiental, mas não sob lamúrias da Mãe Terra, pois a humanidade não foi criada aleatoriamente, os que nos criaram sabiam do que seríamos capazes e tudo o que iríamos fazer, claro que isso não justifica a destruição, mas coloca um ponto final no drama mítico moderno para muitos de nós. Cada tradição de BT terá sua forma de compreender o poder e a sacralidade da natureza, logo para cada via ela tem uma importância singular que só entendível quando há dedicação em conhecer uma delas.

7. "Faz o que desejar sem a ninguém prejudicar"???


"Faz o que quiseres e não faça mal a ninguém” é, segundo Gilberto Lascariz (autor de: Ritos e Mistérios Secretos do Wicca), uma máxima de Santo Agostinho de ética católica-cristã.




Na Bruxaria Moderna (Wicca) a máxima católica na verdade torna-se um dogma compreendendo bem e mal de forma aparentemente semelhante a compreensão cristã e entendendo a existência desses aspectos como componentes da natureza e da humanidade e seus atos. É acreditado por muitos wiccans que é possível viver sem prejudicar a nada (palavra absoluta) e a ninguém (palavra absoluta), e consequentemente - para eles - os que descumprirem esse dogma não são considerados wiccans legítimos.



Na Bruxaria Tradicional (BT) a máxima católica é totalmente desconsiderada, descreditada e desacreditada. Na maioria das Tradições Regionais o bem e o mal são vistos como aspectos muito relativos, não acredita-se que seja possível viver e sobreviver sem prejudicar a nada ou a ninguém, uma vitória sempre elege um prejudicado e um privilegiado seja numa luta física, guerra, discussão, vestibular, seleção de emprego, sorteio e etc. A vida campesina (dos antigos) era baseada na caça, o animal era prejudicado pela sobrevivência dos privilegiados que teriam sua fome saciada, assim como uma outra tribo poderia morrer de fome porque aquele era o único animal (o que ocorria em regiões onde a vida era difícil e as condições precárias, as vezes pioradas pelo rigoroso inverno europeu). A bondade e a maldade são relativas, as vezes alguém faz algo que pensa ser prejudicial a um inimigo, mas na verdade o que pensa ser ruim para o inimigo pode ser muito bom: ser demitido de um emprego que não aguentava mais e partir para uma nova experiência, terminar um relacionamento cansativo e encontrar alguém muito melhor, ficar doente e deixar de sair de casa em um dia no qual o ônibus que sempre pega capotou provocando várias mortes... o que as vezes parece azar pode ser sorte, depende muito da situação, e o bruxo teria que analisar profundamente a situação do enfeitiçado para causar-lhes mais mal que bem.



A questão ética nas Tradições de BT varia de acordo com os costumes ancestrais de cada região, há Tradições, inclusive, que não possui esse tipo de aspecto limitador/ponderador das práticas. Na Tradição Islandesa, por exemplo, tudo gira em torno da Justiça que é uma das nove virtudes levadas em questão.


- Roberto de Souza
Magister